O heroismo do Estadão não foi bem assim
A mesma mídia covarde que hoje apregoa compromisso com a liberdade de imprensa – em ataques torpes ao governo Lula e especialmente a outros governos do continente, como o da Venezuela – acovardava-se durante a ditadura. Em 1973, recebeu uma lição de coragem cívica, dada por Gasparian, Opinião e o advogado Adauto Lúcio Cardoso. O Estadão ainda exerceu resistência à censura. Mas não é justo esquecer que quando Fernando Gasparian, diretor de Opinião, impetrou mandado de segurança contra a censura em 1973, o mesmo Estadão, através de seu diretor Ruy Mesquita, ficou atemorizado, negando-se a ser parte da causa. O artigo é de Argemiro Ferreira.
Argemiro Ferreira
Nunca é demais lembrar a resistência de O Estado de S.Paulo (e Jornal da Tarde) à censura – com os versos de Camões, as receitas de bolo e as fotos de flores. É justo lembrá-la em livro, como fez no 40° aniversário do AI-5, em dezembro do ano passado, o jornalista José Maria Mayrink, que escreveu "Mordaça no Estadão", sobre aqueles tempos difíceis que viveu.Mas não é justo esquecer que quando Fernando Gasparian, diretor de Opinião, decidiu impetrar mandado de segurança contra a censura em 1973, o mesmo Estadão, através de seu diretor Ruy Mesquita, ficou atemorizado, negando-se a ser parte da causa. Eu entenderia se a razão tivesse sido apenas o fato de ser Opinião um semanário alternativo, menor, enquanto o Estadão era um dos jornalões tradicionais do país, muito conhecido até no exterior. Mas Gasparian disse então a Ruy Mesquita que, se o Estadão preferisse não entrar junto com Opinião, estaria bem: entraria sozinho e o semanário, nanico, se somaria apenas depois à iniciativa.Essa história, com mais detalhes, foi contada pelo próprio Gasparian e está no livro "Opinião x Censura – Momentos da luta de um jornal pela independência", de J. A. Pinheiro Machado (editora L&PM, 1978). O motivo real dos Mesquita (o irmão Júlio estava então fora do país), além do medo de represálias, era o fato de já ter a promessa do general Ernesto Geisel de que a censura do Estadão seria levantada.Adauto Cardoso, um herói esquecidoO episódio teve ainda outro herói: Adauto Lúcio Cardoso, jurista da UDN, conspirador no golpe de 1964 e ex-presidente da Câmara (em 1966, até renunciar em protesto pela cassação dos mandatos de seis deputados da oposição), ideologicamente mais afinado com o Estadão do que com Opinião. Nomeado para o Supremo, votara a favor de habeas corpus para Vladimir Palmeira e Darcy Ribeiro. Mas em 1971 aposentou-se, envergonhado com uma decisão que mantivera restrições à liberdade de imprensa.Cardoso tinha prometido só voltar ao STF para defender a causa da liberdade de imprensa. Assim, ao ser procurado em 1973, concordou em ser o advogado de Opinião no caso. Como Estadão e Veja estavam também sob censura, explicou a Gasparian: a causa ganharia força se um deles (ou os dois) se somasse a ela. O dono de Opinião não tinha ilusões sobre os Civita, mas procurou Ruy Mesquita.Ficou desapontado com a resposta negativa. Naqueles dias o Estadão, que participara do complô do golpe, apostava na troca de generais, a se consumar no Planalto. O então presidente, Garrastazu Médici, tinha Orlando Geisel à frente do ministério do Exército – uma garantia de que só um grave acidente de percurso seria capaz de impedir em 1974 a ascensão do irmão dele, o também general Ernesto Geisel.Poupar o Estadão e esquecer o resto?Um amigo comum do jornal e do futuro presidente, segundo Gasparian, já tinha assegurado aos Mesquita que o novo governo ia tirar a censura do Estadão. De fato, isso ocorreria em 1975. Mas as vítimas menores – Opinião, O São Paulo, Tribuna da Imprensa, Movimento, etc – continuariam sob a mesma censura implacável. Ao confiar em Geisel, a família Mesquita ficou indiferente à sorte dos demais.Toda a prática da censura, explicitamente proibida na Constituição então em vigor, foi exposta – até com as minúcias ridículas e grotescas – na petição do mandato de segurança levada ao Tribunal Federal de Recursos, a 10 de maio de 1973, pelo advogado Adauto Lúcio Cardoso. Ao final, por 6 votos contra 5, o TFR decidiu: a censura prévia feita no Opinião pela Polícia Federal violava a Constituição.Consumada a decisão judicial, no entanto, a Polícia Federal avisou a redação de Opinião pelo telefone: “Não publiquem o jornal sem obedecer à censura. Se isso acontecer, temos ordem para apreender a edição”. Na manhã seguinte o general-presidente Garrastazu Médici, em simples despacho, mandou a PF ignorar a Justiça e manter a censura no jornal, com base no AI-5. Eis a íntegra do despacho, de 20 de junho:Despacho do Presidente – Processo 5005/73"Diante do exposto neste processo pelo Senhor Ministro da Justiça:1. Ratifico o despacho exarado em 30 de março de 1971, na exposição de motivos n° 165 B, de 20 de março daquele ano, no qual adotei em defesa da revolução, com fundamento no artigo 9 do Ato Institucional n° 5, as medidas previstas no art. 152, parágrafo 2°, letra E, da Emenda Constitucional b. 1;2. Tendo a decisão proferida no mandato de segurança impetrado pela Editora Inúbia Ltda. Afirmado não existir nos autos provas de imposição de censura por ato do Presidente da República, reitero a autorização de que a Polícia Federal estabeleça censura quanto ao período OPINIÃO.(a) Emilio Garrastazu Médici – Presidente da República"Um detalhe escabroso de tudo isso é que o tal despacho citado no ítem 1 (de 30 de março de 1971) teria sido secreto, nunca fora revelado. Assim, o mandado de segurança de Opinião tivera no mínimo o mérito de forçar a ditadura ou a revelar a existência de “despachos secretos” (como sabemos, havia também “decretos secretos”), ou a fabricar um às pressas (e a posteriori), na obsessão de forjar cobertura jurídica para invalidar a decisão do TFR.A mesma mídia covarde que hoje apregoa compromisso com a liberdade de imprensa – em ataques torpes ao governo Lula e especialmente a outros governos do continente, como o da Venezuela – acovardava-se então. Em 1973, recebeu uma lição de coragem cívica, dada por Gasparian, Opinião e o advogado Adauto Lúcio Cardoso. O Estadão, pelo menos, ainda noticiou o fato discretamente em sua primeira página do dia seguinte. O resto da mídia, nem isso.
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segunda-feira, 3 de agosto de 2009
sábado, 1 de agosto de 2009
A democracia está capengando. Esquerda terá que ser radical
A democracia está capengando. Esquerda terá que ser radical
A chamada “democracia eleitoral” dá sinais de esgotamento por todos os cantos do mundo. A democracia está atrofiada e precisa encontrar novas formas para rejuvenescer e que passam por uma participação mais efetiva da sociedade através dos movimentos sociais, mas também pela radicalização das propostas. A esquerda necessita libertar-se do drama de fazer as reformas que a direita sempre quis fazer, para impor uma agenda que amplie e radicalize a democracia. O artigo é de Éric Aeschimann, publicado no Libération e traduzido pelo Cepat (Centro de Pesquisa e Apoio dos Trabalhadores).
Éric Aeschimann - Libération (IHU On-line)
Tradução do artigo de Aeschimann (16/02/2008), publicada na revista IHU Online.Doença na democracia, nevoeiro nas urnas. É esse o efeito retardado de uma sucessão de escrutínios de resultados embaraçosos para a esquerda? Um movimento de humor diante da democracia liberal triunfal? Nova mania de alguns filósofos? Ou uma crise mais profunda? O fato está aí: a democracia, em todo o caso na sua forma eleitoral, está mal de saúde e os intelectuais vêm à sua cabeceira. Certamente para se perguntar pelo significado deste ataque de febre. Outros, mais radicais, para afirmar que, num mundo mais complexo e mais desigual que nunca, o sistema representativo não permite mais que a grande maioria participe da tomada de decisão coletiva e que se faz necessário se perguntar pelos próprios fundamentos.Punir os eleitos. Primeiramente, a constatação. Ela atravessa clivagens políticas. Vindos da esquerda antitotalitária, os historiadores das idéias soam o alarme. “A democracia eleitoral incontestavelmente erodiu”, escreveu Pierre Rosanvallon no final de 2006 em La Contre-Démocratie [A contra-democracia]. Próximo da segunda esquerda, ele descreveu as diversas formas da “desconfiança” democrática, da “democracia negativa”: abstenção, manifestações, vontade de vigiar e punir os eleitos. Na introdução do primeiro volume de L’Avènement de la démocratie [O advento da democracia], que apareceu no outono, seu colega Marcel Gauchet prefere falar de “uma anemia galopante”, de uma “perda de efetividade” que ele atribui a uma “crise de crescimento” de grande amplitude. A ironia quer que essas análises se desenvolvam num momento em que, praticamente em oposição ao campo de batalha intelectual, a crítica da “democracia formal”, tão velha quanto o marxismo, conhece uma segunda juventude.Testemunhando o inesperado sucesso do pequeno ensaio do filósofo Alain Badiou, De quoi Sarkozy est-il le nom ?, verdadeiro ataque da lei das urnas. “Todo o mundo percebe que a democracia eleitoral não é um espaço de escolha real”, escreve. Diante da “corrupção” das democracias pelas potências do dinheiro, teria chegado o momento de definir “uma nova prática daquilo que foi chamado de ‘ditadura’ (do proletariado). Ou ainda, e é a mesma coisa: um novo uso da palavra ‘Virtude’”.Muitas vozes se levantaram – as de Bernard-Henri Lévy ou do crítico literário Pierre Assouline – para denunciar o retorno de uma retórica associada ao comunismo estalinista. Michel Taubman, diretor da revista Le Meilleur des Mondes, suspeito de complacência para com o pensamento da esquerda, mostra uma certa tranqüilidade: “Há trinta anos, na França, 20% da população denunciava a democracia burguesa e acreditava na ditadura do proletariado. Vivemos com isso. Na realidade, esses intelectuais radicais não representam ninguém, porque, hoje, mesmo Besancenot defende a democracia eleitoral”. Portanto, que na França a discussão tome um aspecto tão enérgico não é casual. “Os franceses são, no contexto europeu, os mais pessimistas em relação à democracia e seus representantes”, nota Stéphane Rozès, diretor do Instituto CSA. A crise, diagnostica, é “espiritual” e ratifica o discurso da impotência dos políticos diante da mundialização.“Impotência”. Abstenção nas eleições presidenciais de 2002, vitória do ‘não’ à Constituição européia, “flechadas” tão bruscas quanto as efemérides pela Ségolène Royal depois François Bayrou, participação massiva na consagração de Nicolas Sarkozy, escrutínios locais transformados em ‘défouloirs’, a bússola fica desnorteada. Nem as extravagâncias sarkozianas nem a ratificação do mini-tratado europeu deverão contribuir para restaurar a confiança nas virtudes do voto. Algo para confortar Badiou, não enfastiado de constatar em seu livro: “A impotência era efetiva, mas agora ela é comprovada”.“Os franceses não reprovam nos políticos a sua falta de proximidade, mas sua irresponsabilidade”, retoma Rozès, acrescentando que os franceses são tão mais sensíveis nisso quanto seu viver em conjunto não está fundado sobre a religião ou a etnia, mas sobre a partilha dos ideais políticos. Resta colocar-se de acordo sobre as causas da impotência democrática. Este é o desafio da reflexão engajada. Para Marcel Gauchet, o acontecimento de uma concepção hipertrofiada dos direitos humanos acabou por privar a coletividade de todos os meios de ação. Patrick Braouzec, deputado comunista de Saint-Denis, pensa, ao contrário, que “ao lado das eleições, pelas quais as pessoas se interessam muito, mas que constituem um momento específico, a democracia só pode atrofiar se ela não se apoiar também sobre uma democracia participativa e sobre o movimento social”. Um “movimento social” de contornos fluidos – manifestações de rua, apoio às crianças indocumentadas, operações midiáticas das Crianças de Don Quixote... – e que, levado ao extremo, lembra o título de um livro do filósofo John Holloway, em voga entre os altermundistas: Mudar o mundo sem tomar o poder [São Paulo: Viramundo, 2003]. Fazer política, acordos, mas fora das urnas.O filósofo Slavoj Zizek, estrela do campus americano e habituado às brincadeiras provocadoras, vai ainda mais longe ao estimar que só “a violência popular” permitirá às classes desfavorecidas se fazerem ouvir nas democracias liberais. Zizek publica este mês na França uma coletânea dos “mais belos discursos de Robespierre”, precedido de uma longa introdução em que se pergunta como “reinventar um terror emancipatório”. Ícone da pop-filosofia, conhecida primeiramente por suas análises do cinema hollywoodiano, o homem é, portanto, o contrário de um nostálgico. Nos tempos do “socialismo real” lutou na Iugoslávia titista e participou dos primeiros passos da democracia eslovena. Sua radicalização parece mostrar que o desencantamento democrático não pode ser reduzido a uma exceção francesa.“Arrogância ocidental”. É que, um pouco por todo o mundo, os processos de democratização conhecem malogros de diversas ordens que pioram a “promoção da democracia”, para retomar o vocabulário em uso na ONU desde os anos 90: o Iraque e o Afeganistão, mas também a Rússia onde Putin recupera o poder, a Argélia ou a Palestina onde os islâmicos viram confiscar suas vitórias obtidas pelas urnas. Ou ainda, o crescimento dos populismos na Polônia, na Dinamarca, na Bélgica. Até mesmo uma América que, para impor a democracia, não hesitou em transgredir os princípios elementares do direito. No número de janeiro da Revista Esprit, Pierre Rosanvallon apontava “uma certa arrogância ocidental e uma certa cegueira em relação à natureza e aos problemas da democracia”.Tradução: Cepat
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16098
A chamada “democracia eleitoral” dá sinais de esgotamento por todos os cantos do mundo. A democracia está atrofiada e precisa encontrar novas formas para rejuvenescer e que passam por uma participação mais efetiva da sociedade através dos movimentos sociais, mas também pela radicalização das propostas. A esquerda necessita libertar-se do drama de fazer as reformas que a direita sempre quis fazer, para impor uma agenda que amplie e radicalize a democracia. O artigo é de Éric Aeschimann, publicado no Libération e traduzido pelo Cepat (Centro de Pesquisa e Apoio dos Trabalhadores).
Éric Aeschimann - Libération (IHU On-line)
Tradução do artigo de Aeschimann (16/02/2008), publicada na revista IHU Online.Doença na democracia, nevoeiro nas urnas. É esse o efeito retardado de uma sucessão de escrutínios de resultados embaraçosos para a esquerda? Um movimento de humor diante da democracia liberal triunfal? Nova mania de alguns filósofos? Ou uma crise mais profunda? O fato está aí: a democracia, em todo o caso na sua forma eleitoral, está mal de saúde e os intelectuais vêm à sua cabeceira. Certamente para se perguntar pelo significado deste ataque de febre. Outros, mais radicais, para afirmar que, num mundo mais complexo e mais desigual que nunca, o sistema representativo não permite mais que a grande maioria participe da tomada de decisão coletiva e que se faz necessário se perguntar pelos próprios fundamentos.Punir os eleitos. Primeiramente, a constatação. Ela atravessa clivagens políticas. Vindos da esquerda antitotalitária, os historiadores das idéias soam o alarme. “A democracia eleitoral incontestavelmente erodiu”, escreveu Pierre Rosanvallon no final de 2006 em La Contre-Démocratie [A contra-democracia]. Próximo da segunda esquerda, ele descreveu as diversas formas da “desconfiança” democrática, da “democracia negativa”: abstenção, manifestações, vontade de vigiar e punir os eleitos. Na introdução do primeiro volume de L’Avènement de la démocratie [O advento da democracia], que apareceu no outono, seu colega Marcel Gauchet prefere falar de “uma anemia galopante”, de uma “perda de efetividade” que ele atribui a uma “crise de crescimento” de grande amplitude. A ironia quer que essas análises se desenvolvam num momento em que, praticamente em oposição ao campo de batalha intelectual, a crítica da “democracia formal”, tão velha quanto o marxismo, conhece uma segunda juventude.Testemunhando o inesperado sucesso do pequeno ensaio do filósofo Alain Badiou, De quoi Sarkozy est-il le nom ?, verdadeiro ataque da lei das urnas. “Todo o mundo percebe que a democracia eleitoral não é um espaço de escolha real”, escreve. Diante da “corrupção” das democracias pelas potências do dinheiro, teria chegado o momento de definir “uma nova prática daquilo que foi chamado de ‘ditadura’ (do proletariado). Ou ainda, e é a mesma coisa: um novo uso da palavra ‘Virtude’”.Muitas vozes se levantaram – as de Bernard-Henri Lévy ou do crítico literário Pierre Assouline – para denunciar o retorno de uma retórica associada ao comunismo estalinista. Michel Taubman, diretor da revista Le Meilleur des Mondes, suspeito de complacência para com o pensamento da esquerda, mostra uma certa tranqüilidade: “Há trinta anos, na França, 20% da população denunciava a democracia burguesa e acreditava na ditadura do proletariado. Vivemos com isso. Na realidade, esses intelectuais radicais não representam ninguém, porque, hoje, mesmo Besancenot defende a democracia eleitoral”. Portanto, que na França a discussão tome um aspecto tão enérgico não é casual. “Os franceses são, no contexto europeu, os mais pessimistas em relação à democracia e seus representantes”, nota Stéphane Rozès, diretor do Instituto CSA. A crise, diagnostica, é “espiritual” e ratifica o discurso da impotência dos políticos diante da mundialização.“Impotência”. Abstenção nas eleições presidenciais de 2002, vitória do ‘não’ à Constituição européia, “flechadas” tão bruscas quanto as efemérides pela Ségolène Royal depois François Bayrou, participação massiva na consagração de Nicolas Sarkozy, escrutínios locais transformados em ‘défouloirs’, a bússola fica desnorteada. Nem as extravagâncias sarkozianas nem a ratificação do mini-tratado europeu deverão contribuir para restaurar a confiança nas virtudes do voto. Algo para confortar Badiou, não enfastiado de constatar em seu livro: “A impotência era efetiva, mas agora ela é comprovada”.“Os franceses não reprovam nos políticos a sua falta de proximidade, mas sua irresponsabilidade”, retoma Rozès, acrescentando que os franceses são tão mais sensíveis nisso quanto seu viver em conjunto não está fundado sobre a religião ou a etnia, mas sobre a partilha dos ideais políticos. Resta colocar-se de acordo sobre as causas da impotência democrática. Este é o desafio da reflexão engajada. Para Marcel Gauchet, o acontecimento de uma concepção hipertrofiada dos direitos humanos acabou por privar a coletividade de todos os meios de ação. Patrick Braouzec, deputado comunista de Saint-Denis, pensa, ao contrário, que “ao lado das eleições, pelas quais as pessoas se interessam muito, mas que constituem um momento específico, a democracia só pode atrofiar se ela não se apoiar também sobre uma democracia participativa e sobre o movimento social”. Um “movimento social” de contornos fluidos – manifestações de rua, apoio às crianças indocumentadas, operações midiáticas das Crianças de Don Quixote... – e que, levado ao extremo, lembra o título de um livro do filósofo John Holloway, em voga entre os altermundistas: Mudar o mundo sem tomar o poder [São Paulo: Viramundo, 2003]. Fazer política, acordos, mas fora das urnas.O filósofo Slavoj Zizek, estrela do campus americano e habituado às brincadeiras provocadoras, vai ainda mais longe ao estimar que só “a violência popular” permitirá às classes desfavorecidas se fazerem ouvir nas democracias liberais. Zizek publica este mês na França uma coletânea dos “mais belos discursos de Robespierre”, precedido de uma longa introdução em que se pergunta como “reinventar um terror emancipatório”. Ícone da pop-filosofia, conhecida primeiramente por suas análises do cinema hollywoodiano, o homem é, portanto, o contrário de um nostálgico. Nos tempos do “socialismo real” lutou na Iugoslávia titista e participou dos primeiros passos da democracia eslovena. Sua radicalização parece mostrar que o desencantamento democrático não pode ser reduzido a uma exceção francesa.“Arrogância ocidental”. É que, um pouco por todo o mundo, os processos de democratização conhecem malogros de diversas ordens que pioram a “promoção da democracia”, para retomar o vocabulário em uso na ONU desde os anos 90: o Iraque e o Afeganistão, mas também a Rússia onde Putin recupera o poder, a Argélia ou a Palestina onde os islâmicos viram confiscar suas vitórias obtidas pelas urnas. Ou ainda, o crescimento dos populismos na Polônia, na Dinamarca, na Bélgica. Até mesmo uma América que, para impor a democracia, não hesitou em transgredir os princípios elementares do direito. No número de janeiro da Revista Esprit, Pierre Rosanvallon apontava “uma certa arrogância ocidental e uma certa cegueira em relação à natureza e aos problemas da democracia”.Tradução: Cepat
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O fantasma que vaga no pensamento único
O fantasma que vaga no pensamento único
Vaga e insossa, mas presencialista, a democracia parece ser quase o horizonte insuperável da nossa época. A saturação provocada pelo seu uso indiscriminado justifica a peremptoriedade dessa afirmação. De Barack Obama a Berlusconi, das filosofias políticas radicais ao Hamas e ao Vaticano, todos parecem ter uma opinião sobre aquilo que a democracia é e sobre aquilo que ela deveria ser. O artigo é de Roberto Ciccarelli, publicado no jornal Il Manifesto e traduzido pela revista IHU On-line.
Roberto Ciccarelli - Il Manifesto (IHU On-line)
Tradução publicada no site da revista IHU On-Line.Em um livro recente, "Démocratie, dans quel état?" (La Fabrique, 152p.), que reúne contribuições de Giorgio Agamben, Alain Badiou, Wendy Brown, Jean-Luc Nancy, Jacques Rancière e Slavoj Zizek, dentre outros, defende-se que a desagregação dos conteúdos normativos da democracia foi gerada por uma oscilação entre regime e governo, entre soberania popular e gestão econômica e administrativa daquilo que existe. A democracia em que vivemos seria uma democracia "governamental", que impõe a busca de uma alternativa. Se esse é o objetivo, então não é por acaso a escolha das contribuições que compõem esse livro, escrito por autores considerados protagonistas de uma "reviravolta" no pensamento político contemporâneo, a da chamada "democracia radical".Os assuntos da cidadeMuitas vezes, o logotipo não é justo com a diversidade – às vezes enorme –de um fenômeno cultural, mas só às exigências do mercado editorial. Porém, pelo menos nesse caso, isso explica mais uma vez que o liberalismo ostentado pela "intelligentzia" a partir dos anos 80 é uma doutrina consumada. Por isso, é compreensível a ansiedade por novos paradigmas, mas isso não deveria remover as diferenças essenciais entre os seus protagonistas.É notável como a busca de uma alternativa parou diante da impossibilidade de criar um sujeito político "forte". A crítica da democracia propõe uma outra estratégia para recompor esse sujeito para além dos limites da política do século XIX, fundada sobre as classes ou sobre o individualismo proprietário. Além das muitas diferenças, é justamente esse o projeto que surge do grupo que enfileira a "vida nua" de Agamben, a via "neoleninista" Zizek até a "hipótese comunista" de Badiou.Jacques Rancière A contribuição de Rancière, que dá sequência às considerações já desenvolvidas em "L'odio per la democrazia" (Cronopio) e em "Il disaccordo" (Meltemi), oferece motivos para se repensar e se concentra sobre o problema central desse grupo. Parece, de fato, que a teoria radical acha difícil imaginar uma subjetividade politicamente eficaz. Por uma dupla razão: de um lado, descreve a democracia como negatividade absoluta, como "significante vazio". De outro, evoca um antagonismo político permanente contra a ordem constituída. A democracia seria, assim, o resultado de uma contínua ruptura do espaço político, cujo objetivo é a destituição da sua legitimidade, mais do que a realização das possibilidades que ela exclui.A real continuidade entre Agamben, Badiou ou Zizek não é a da continuidade contingente que localiza no modelo antagônico um relato alternativo à democracia liberal, mas sim a da vontade de atribuir ao "político" um princípio único e puro. Só que, nesses autores, a pureza nunca se dá em uma forma particular da democracia, mas na sua contínua negação. Se não fosse assim, a democracia reproduziria a confusão entre a democracia e a constituição, ou uma forma social que, para Rancière, aproxima todo o arco político da direita à extrema esquerda. Com o resultado espectral – mas nunca tão atual – de identificar a vida de uma democracia com a permanente reforma das regras que deveriam governá-la."A democracia – escreve Rancière – é o poder daqueles que não têm nenhum título para exercer o poder, a capacidade de que qualquer um se ocupe dos assuntos da cidade". É esse o seu "escândalo": "qualquer um", cidadão ou migrante, pode aspirar ao governo. Uma pretensão que nutre o ódio dos governantes, mas que também é a demonstração de que aquele que governa não tem nenhuma razão natural para fazê-lo, e aquele que é governado não tem nenhuma razão natural para obedecer.Uma política é democrática quando reconhece estar fundada nessa divisão não natural dos papéis. Fazendo isso, ela alimenta uma contínua renegociação dos limites do público e do privado, do político e do social, do econômico e do institucional, para resolver as desigualdades existentes, salvo se forem registradas outras novas em outros lugares.Além do governo dos melhoresAs considerações justas de Rancière ainda deixam uma dúvida. A sua versão da política democrática reavalia o aspecto constituinte do conflito, enquanto produtor de uma distribuição igualitária dos papéis contra a lógica hierárquica da democracia. O ponto é que esse conflito ocorre desde a polis grega, em uma espaço político que é sempre igual a si mesmo e, por isso, não é muito diferente do formalismo jurídico do qual toma distância.Contrariamente ao que Michel Foucault defende, que forneceu uma versão imanente da política democrática fundada na diferença e não na igualdade, a negatividade transcendental, que Rancière critica enquanto expressão das aporias do antagonismo democrata-radical, permanece também no seu sistema. Mesmo tendo identificado o lugar em que se desenvolve o conflito da democracia – a repartição dos papéis entre governantes e governados –, ele não explica como se forma o conflito e por que seria diferente dos anteriores.Distante de uma visão trágica da política como "decisionismo" ou, pior, como técnica administrativa, o pensamento de Rancière denuncia a tentação elitista difundida na cultura política contemporânea, para a qual a democracia é naturalmente o "governo dos melhores". Mas não foge do problema, este sim epocal, de como tornar efetivo o sujeito da política democrática.Personagens e palavras-chaves de um pensamento crítico a ser reconstruídoLouis Gabriel Gauny, engenheiro e filósofo, em "Le philosophe plébéien" (La Découverte), e Étienne Cabet, utopista século XIX, em "La nuit de proletaires. Archives du rêve ouvrier" (Hachette), são os personagens que, junto com Joseph Jacotot, povoam o singular arquivo a partir do qual Jacques Rancière indagou o estatuto filosófico do discurso histórico, propondo "Courts voyages au pays du peuple" (Seuil) e "Les mots de l'histoire" (Seuil).A seguir, Rancière passou a uma reflexão sobre a literatura ("Mallarmé o la politica della sirena", Clueb) e sobre o cinema ("La favola cinematografica", Ets, e "Le spectateur émancipé", La Fabrique).Conhecido na Itália por ter se afastado de Louis Althusser por divergências sobre o Maio de 68, depois de ter participado dos seminários de 1965 sobre "Leggere il Capitale" (Mimesis), Rancière, professor da Universidade Paris VIII (Saint Denis) é um protagonista do debate filosófico e político com livros como "Il disaccordo" (Meltemi) e "L'odio per la democrazia" (Cronopio).A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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Vaga e insossa, mas presencialista, a democracia parece ser quase o horizonte insuperável da nossa época. A saturação provocada pelo seu uso indiscriminado justifica a peremptoriedade dessa afirmação. De Barack Obama a Berlusconi, das filosofias políticas radicais ao Hamas e ao Vaticano, todos parecem ter uma opinião sobre aquilo que a democracia é e sobre aquilo que ela deveria ser. O artigo é de Roberto Ciccarelli, publicado no jornal Il Manifesto e traduzido pela revista IHU On-line.
Roberto Ciccarelli - Il Manifesto (IHU On-line)
Tradução publicada no site da revista IHU On-Line.Em um livro recente, "Démocratie, dans quel état?" (La Fabrique, 152p.), que reúne contribuições de Giorgio Agamben, Alain Badiou, Wendy Brown, Jean-Luc Nancy, Jacques Rancière e Slavoj Zizek, dentre outros, defende-se que a desagregação dos conteúdos normativos da democracia foi gerada por uma oscilação entre regime e governo, entre soberania popular e gestão econômica e administrativa daquilo que existe. A democracia em que vivemos seria uma democracia "governamental", que impõe a busca de uma alternativa. Se esse é o objetivo, então não é por acaso a escolha das contribuições que compõem esse livro, escrito por autores considerados protagonistas de uma "reviravolta" no pensamento político contemporâneo, a da chamada "democracia radical".Os assuntos da cidadeMuitas vezes, o logotipo não é justo com a diversidade – às vezes enorme –de um fenômeno cultural, mas só às exigências do mercado editorial. Porém, pelo menos nesse caso, isso explica mais uma vez que o liberalismo ostentado pela "intelligentzia" a partir dos anos 80 é uma doutrina consumada. Por isso, é compreensível a ansiedade por novos paradigmas, mas isso não deveria remover as diferenças essenciais entre os seus protagonistas.É notável como a busca de uma alternativa parou diante da impossibilidade de criar um sujeito político "forte". A crítica da democracia propõe uma outra estratégia para recompor esse sujeito para além dos limites da política do século XIX, fundada sobre as classes ou sobre o individualismo proprietário. Além das muitas diferenças, é justamente esse o projeto que surge do grupo que enfileira a "vida nua" de Agamben, a via "neoleninista" Zizek até a "hipótese comunista" de Badiou.Jacques Rancière A contribuição de Rancière, que dá sequência às considerações já desenvolvidas em "L'odio per la democrazia" (Cronopio) e em "Il disaccordo" (Meltemi), oferece motivos para se repensar e se concentra sobre o problema central desse grupo. Parece, de fato, que a teoria radical acha difícil imaginar uma subjetividade politicamente eficaz. Por uma dupla razão: de um lado, descreve a democracia como negatividade absoluta, como "significante vazio". De outro, evoca um antagonismo político permanente contra a ordem constituída. A democracia seria, assim, o resultado de uma contínua ruptura do espaço político, cujo objetivo é a destituição da sua legitimidade, mais do que a realização das possibilidades que ela exclui.A real continuidade entre Agamben, Badiou ou Zizek não é a da continuidade contingente que localiza no modelo antagônico um relato alternativo à democracia liberal, mas sim a da vontade de atribuir ao "político" um princípio único e puro. Só que, nesses autores, a pureza nunca se dá em uma forma particular da democracia, mas na sua contínua negação. Se não fosse assim, a democracia reproduziria a confusão entre a democracia e a constituição, ou uma forma social que, para Rancière, aproxima todo o arco político da direita à extrema esquerda. Com o resultado espectral – mas nunca tão atual – de identificar a vida de uma democracia com a permanente reforma das regras que deveriam governá-la."A democracia – escreve Rancière – é o poder daqueles que não têm nenhum título para exercer o poder, a capacidade de que qualquer um se ocupe dos assuntos da cidade". É esse o seu "escândalo": "qualquer um", cidadão ou migrante, pode aspirar ao governo. Uma pretensão que nutre o ódio dos governantes, mas que também é a demonstração de que aquele que governa não tem nenhuma razão natural para fazê-lo, e aquele que é governado não tem nenhuma razão natural para obedecer.Uma política é democrática quando reconhece estar fundada nessa divisão não natural dos papéis. Fazendo isso, ela alimenta uma contínua renegociação dos limites do público e do privado, do político e do social, do econômico e do institucional, para resolver as desigualdades existentes, salvo se forem registradas outras novas em outros lugares.Além do governo dos melhoresAs considerações justas de Rancière ainda deixam uma dúvida. A sua versão da política democrática reavalia o aspecto constituinte do conflito, enquanto produtor de uma distribuição igualitária dos papéis contra a lógica hierárquica da democracia. O ponto é que esse conflito ocorre desde a polis grega, em uma espaço político que é sempre igual a si mesmo e, por isso, não é muito diferente do formalismo jurídico do qual toma distância.Contrariamente ao que Michel Foucault defende, que forneceu uma versão imanente da política democrática fundada na diferença e não na igualdade, a negatividade transcendental, que Rancière critica enquanto expressão das aporias do antagonismo democrata-radical, permanece também no seu sistema. Mesmo tendo identificado o lugar em que se desenvolve o conflito da democracia – a repartição dos papéis entre governantes e governados –, ele não explica como se forma o conflito e por que seria diferente dos anteriores.Distante de uma visão trágica da política como "decisionismo" ou, pior, como técnica administrativa, o pensamento de Rancière denuncia a tentação elitista difundida na cultura política contemporânea, para a qual a democracia é naturalmente o "governo dos melhores". Mas não foge do problema, este sim epocal, de como tornar efetivo o sujeito da política democrática.Personagens e palavras-chaves de um pensamento crítico a ser reconstruídoLouis Gabriel Gauny, engenheiro e filósofo, em "Le philosophe plébéien" (La Découverte), e Étienne Cabet, utopista século XIX, em "La nuit de proletaires. Archives du rêve ouvrier" (Hachette), são os personagens que, junto com Joseph Jacotot, povoam o singular arquivo a partir do qual Jacques Rancière indagou o estatuto filosófico do discurso histórico, propondo "Courts voyages au pays du peuple" (Seuil) e "Les mots de l'histoire" (Seuil).A seguir, Rancière passou a uma reflexão sobre a literatura ("Mallarmé o la politica della sirena", Clueb) e sobre o cinema ("La favola cinematografica", Ets, e "Le spectateur émancipé", La Fabrique).Conhecido na Itália por ter se afastado de Louis Althusser por divergências sobre o Maio de 68, depois de ter participado dos seminários de 1965 sobre "Leggere il Capitale" (Mimesis), Rancière, professor da Universidade Paris VIII (Saint Denis) é um protagonista do debate filosófico e político com livros como "Il disaccordo" (Meltemi) e "L'odio per la democrazia" (Cronopio).A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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A crise financeira atual e a crítica de esquerda hoje
A crise financeira atual e a crítica de esquerda hoje
Lançamento da Fundação Perseu Abramo, o livro "O abc da crise" cumpre uma dupla tarefa: organiza os diagnósticos e sintetiza os prognósticos feitos pela esquerda no ato da crise, de maneira que o livro se torna útil tanto como instrumento pedagógico quanto como ferramenta política para quem quer que se interesse por certo pensamento crítico e contemporâneo. Trata-se de um conjunto representativo das opiniões não-liberais acerca da crise financeira escritas no calor da hora. O artigo é de William Vella Nozaki.
William Vella Nozaki (*)
Muito já se comentou sobre o laço – etimológico e histórico – entre as palavras crise e crítica. E, embora a crítica seja muitas vezes acusada de inventar crises inexistentes, nem sempre as crises são acompanhadas de críticas eficientes. De maneira que, no turbilhão de publicações oportunistas e salvacionistas sobre a crise financeira atual merece destaque o livro: "O abc da crise", organizado por Sérgio Sister e publicado pela Fundação Perseu Abramo. Trata-se de um conjunto representativo das opiniões não-liberais acerca da crise financeira escritas no calor da hora. Como tal, trazem nas linhas o ímpeto de uma crítica mais conjuntural e de curto-prazo e carregam nas entrelinhas a tentativa de uma análise mais estrutural e de longo-prazo, dois traços peculiares das leituras progressistas e heterodoxas. Nesse sentido, esse Abc da crise cumpre uma dupla tarefa: organiza os diagnósticos e sintetiza os prognósticos feitos pela esquerda no ato da crise, de maneira que o livro se torna útil tanto como instrumento pedagógico quanto como ferramenta política para quem quer que se interesse por certo pensamento crítico e contemporâneo.O livro é composto por uma série de artigos e entrevistas, inéditos ou já conhecidos, oriundos tanto do debate intelectual (nacional e internacional) quanto do cenário político (partidário e governamental).Causas e conseqüências Nessa divisão intelectual da crítica, o texto que dá nome ao livro, assinado por Jefferson José da Conceição, e produzido coletivamente no âmbito do Dieese, apresenta uma descrição esquemática e articulada das dimensões estrutural e conjuntural da crise. Resgatando os antecedentes econômicos, políticos e ideológicos, o texto concatena a avanço da globalização e a expansão do neoliberalismo aos processos de abertura comercial, liberalização financeira e desregulamentação da proteção social assim como dos direitos trabalhistas. O objetivo é evidenciar como todos esses fatores se somam e concorrem produzindo uma associação perigosa entre bancos nacionais e finanças internacionais, dando margem a todo tipo de criatividade irresponsável no trato com o dinheiro público e privado.Aliás, o efeito em cadeia que converte um problema no setor imobiliário norte-americano em um problema no sistema bancário e creditício dando origem a uma crise financeira internacional não pode ser fruto senão dessa constelação de fatores, nos lembra o autor.Logo ficou claro como a quebra dos bancos norte-americanos e europeus significaria corte em créditos e investimentos no mundo todo, e que a recessão que se seguiria nos países centrais acabaria produzindo um efeito dominó para o resto do mundo, retraindo o comércio e encolhendo a produção, ensejando desemprego e reduções salariais.No mesmo caminho segue o artigo do organizador do livro, Sérgio Sister, que aponta por trás da crise a transição de uma macroeconomia da poupança para uma macroeconomia do endividamento. O texto de Jefferson José apresenta ainda uma proposta de atuação para os trabalhadores do país, enquanto a artigo de Sérgio Sister avança discutindo as conseqüências possíveis da crise sobre a economia brasileira.Superprodução e financeirizaçãoCoube a Paul Krugman, em uma quadra de artigos publicados originalmente no New York Times, após o setembro negro de 2008, analisar a crise desde dentro, a partir dos EUA. O economista norte-americano revela que a crise dava indícios de sua eclosão há pelo menos uma década, desde a última bolha das pontocom e do primeiro colapso de um grande fundo de hedge, entre 1997 e 1998. O autor nos lembra como nessas duas ocasiões a maioria dos economistas e analistas de mercado se apressou em comemorar a saída da beira da crise, esquecendo-se de indagar como a economia internacional havia chegado tão perto dela.Mas por que o establishment tardou em perceber a aproximação e a eclosão dessa crise? A resposta dada por Paul Krugman a essa questão leva em consideração dois fatores. Em primeiro lugar, ideólogos do neoliberalismo norte-americano, como Alan Greenspan, Robert Rubin e Lawrence Summers, sempre apostaram na desregulamentação em detrimento da fiscalização do mercado financeiro. Em segundo lugar, e como decorrência desse laissez-faire, o avanço de um sistema bancário “sombra”, “paralelo”, nucleado por bancos de investimento, cercado por fundos e seguradoras aparecia para esses policy makers menos como problema e mais como solução, de maneira que a oferta desabrida de novos serviços financeiros foi encarada como inovação e não como abuso, do mesmo modo a expansão irrestrita do crédito foi percebida como avanço e não como perigo, para Paul Krugman uma verdadeira bancocracia tomou de assalto o Estado e a economia norte-americanas com o consentimento e a cumplicidade entre tecnocratas e financistas. Os artigos do economista norte-americano oferecem uma visão conjuntural e nacional bastante lúcida para a crise financeira, mas, preocupado que está com a urgência e a necessidade de uma reforma financeira, o autor não ousa uma análise estrutural de maior fôlego, tarefa que fica a cargo dos intérpretes brasileiros da crise.O artigo de Paul Singer e a entrevista de Francisco de Oliveira podem ser lidos em conjunto. Enquanto o economista interpreta a crise financeira como mais um dos momentos cíclicos da história do capitalismo em que ocorre o esgotamento da demanda, o sociólogo complementa avisando que estamos diante de uma crise da globalização do capital, cuja intensidade está em repor o problema de realização do valor. Ou seja, para os dois autores, o descompasso entre a expansão da produtividade e a redução da capacidade de absorção de mercadorias engendrou uma situação em que, a despeito da ampliação da mais-valia global, o consumo das massas não acompanhou a massa de produtos colocados em circulação. Enquanto Paul Singer reconstrói, teoricamente, os laços entre a esfera produtiva e a esfera financeira, apontando complementaridades e contradições entre, de um lado, mercadorias reais, valores concretos, bens e serviços e, de outro lado, ativos virtuais, valores monetários, créditos e dívidas, Francisco de Oliveira demonstra, empiricamente, como a aliança entre o crescimento industrial de países como China e Índia e a expansão monetária dos EUA contribuiu para a alteração nos padrões de acumulação e consumo. Um dos sintomas dessa mudança se revela, justamente, na especialização financeira que conduziu ao financiamento imobiliário irrestrito e à especulação fundiária exacerbada no mercado norte-americano. Partindo de uma tese distinta das duas anteriores, as notas de Maria da Conceição Tavares e os textos de Luiz Gonzaga Belluzzo enfatizam os tropeços criados para a circulação do crédito e os empecilhos causados pelo obscurantismo das inovações financeiras, dando origem a uma espécie de financeirização da economia.Luiz Gonzaga Belluzzo ressalta como no capitalismo – uma economia monetária mais do que industrial – deve-se atentar menos para o princípio do aumento da produtividade e mais para a finalidade da acumulação de riqueza. Nesse sentido, a compreensão dessa crise situa-se antes na esfera financeira do que na produtiva. A separação entre os bancos comerciais, que recebem depósitos e realizam empréstimos, e que portanto são agentes econômicos que compram ativos para si e para terceiros, e os bancos de investimento, que se dedicam ao aconselhamento de empresas nas emissões e na gestão de títulos e ações, e que portanto são agentes econômicos que vendem ativos, criou uma espécie de esquizofrenia que está na origem dos supermercados financeiros e da securitização dos créditos que desaguaram na crise financeira atual. A preferência pela liquidez e a instabilidade financeira são características do capitalismo que se desvelam no cenário de hoje.De quebra o autor esboça um ensaio sobre as implicações subjetivas de uma visão de mundo que, baseada no individualismo racional e maximizador de utilidade acaba engendrando a concorrência e a predação que estão na origem de comportamentos arriscados e inseguros que conduzem à crises cíclicas e periódicas.Estado e políticasA despeito das divergências entre os intérpretes, todos concordam em um ponto, sintetizado por Carlos Eduardo Carvalho, o neoliberalismo pretendeu substituir a política pela economia e reduzir a economia às finanças, o que ele escondia, entretanto, era uma atuação em favor dos grupos mais influentes do capital e o que ele revela, agora, é uma comunhão entre Estado e mercado.Se, por um lado, é verdade que a crise reabilitou as possibilidades de intervenção estatal, por outro lado, é apressado deduzir que isso signifique o fim do neoliberalismo. Afinal, a principal forma de intervenção tem sido a injeção de liquidez que é, na realidade, uma emissão de dinheiro público a serviço das altas finanças e não da população em geral. No que se refere ao Brasil, Cézar Manoel de Medeiros ressalta a importância do setor público no combate à crise, pois, além das reservas internacionais e da conquista do investment grade, temos três bancos estatais (BB, CEF e BNDES) e duas grandes empresas públicas (Petrobrás e Eletrobrás) que podem, e devem, atuar na expansão do crédito e do investimento. O autor aproveita ainda para ressaltar a importância do projeto do pré-sal como estratégia nacional de defesa e apresentar a proposta de criação de uma Empresa Nacional de Ativos (Probr ou Probrasil), concentrando as ações ordinárias e preferenciais de propriedade da União.Vale ainda ressaltar que, enquanto o espírito anti-FHC fica a cargo de Ricardo Berzoini (presidente do PT), o escudo pró-Lula compete a Guido Mantega (Ministro da Fazenda).Enquanto o primeiro relembra as diretrizes macroeconômicas que filiaram o Brasil ao neoliberalismo, patrocinando a vulnerabilidade comercial, a fragilidade financeira e a desestruturação do Estado, o segundo destaca as medidas que, supostamente, tornaram o Brasil mais forte para suportar a crise, com destaque para o crescimento do PIB e os investimento do PAC, além das medidas de curto-prazo para contornar a falta de recursos externos e para sustentar a atividade econômica interna. Se, porque excessivamente político-partidários, os textos não fornecem uma visão analítica mais acurada da crise, ao menos servem como documentos que sistematizam as idéias e decisões do governo brasileiro para combatê-la. InconclusõesTalvez seja cedo demais para que se possa avaliar com precisão o sentido e o significado dessa crise. Tal fato, entretanto, não deve desencorajar as tentativas de compreensão, até mesmo porque, como se sabe, os momentos de crise abrem vagas de incerteza e indeterminação capazes de aproximar a explicação da intervenção. Por trás das tentativas de interpretação reunidas no "Abc da crise", o que se revela são questões sobre a relação entre as esferas produtiva e financeira, entre Estado e mercado, entre a globalização e o neoliberalismo. Abrindo possibilidades de análise sem pressa de concluí-las, ao final da leitura o que se experimenta são muitas dúvidas e uma única certeza, como bem expressa Márcio Pochmann: a de que vivemos um momento de transição. Resta pensar em que nova promessa de modernização iremos nos apegar, e se ela será capaz de realizar o ideal civilizatório que até aqui não conseguimos levar a bom termo. (*) Bacharel em Ciências Sociais (FFLCH/USP); mestrando em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: História Econômica (IE/UNICAMP). E-mail: willnozaki@gmail.com.
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Lançamento da Fundação Perseu Abramo, o livro "O abc da crise" cumpre uma dupla tarefa: organiza os diagnósticos e sintetiza os prognósticos feitos pela esquerda no ato da crise, de maneira que o livro se torna útil tanto como instrumento pedagógico quanto como ferramenta política para quem quer que se interesse por certo pensamento crítico e contemporâneo. Trata-se de um conjunto representativo das opiniões não-liberais acerca da crise financeira escritas no calor da hora. O artigo é de William Vella Nozaki.
William Vella Nozaki (*)
Muito já se comentou sobre o laço – etimológico e histórico – entre as palavras crise e crítica. E, embora a crítica seja muitas vezes acusada de inventar crises inexistentes, nem sempre as crises são acompanhadas de críticas eficientes. De maneira que, no turbilhão de publicações oportunistas e salvacionistas sobre a crise financeira atual merece destaque o livro: "O abc da crise", organizado por Sérgio Sister e publicado pela Fundação Perseu Abramo. Trata-se de um conjunto representativo das opiniões não-liberais acerca da crise financeira escritas no calor da hora. Como tal, trazem nas linhas o ímpeto de uma crítica mais conjuntural e de curto-prazo e carregam nas entrelinhas a tentativa de uma análise mais estrutural e de longo-prazo, dois traços peculiares das leituras progressistas e heterodoxas. Nesse sentido, esse Abc da crise cumpre uma dupla tarefa: organiza os diagnósticos e sintetiza os prognósticos feitos pela esquerda no ato da crise, de maneira que o livro se torna útil tanto como instrumento pedagógico quanto como ferramenta política para quem quer que se interesse por certo pensamento crítico e contemporâneo.O livro é composto por uma série de artigos e entrevistas, inéditos ou já conhecidos, oriundos tanto do debate intelectual (nacional e internacional) quanto do cenário político (partidário e governamental).Causas e conseqüências Nessa divisão intelectual da crítica, o texto que dá nome ao livro, assinado por Jefferson José da Conceição, e produzido coletivamente no âmbito do Dieese, apresenta uma descrição esquemática e articulada das dimensões estrutural e conjuntural da crise. Resgatando os antecedentes econômicos, políticos e ideológicos, o texto concatena a avanço da globalização e a expansão do neoliberalismo aos processos de abertura comercial, liberalização financeira e desregulamentação da proteção social assim como dos direitos trabalhistas. O objetivo é evidenciar como todos esses fatores se somam e concorrem produzindo uma associação perigosa entre bancos nacionais e finanças internacionais, dando margem a todo tipo de criatividade irresponsável no trato com o dinheiro público e privado.Aliás, o efeito em cadeia que converte um problema no setor imobiliário norte-americano em um problema no sistema bancário e creditício dando origem a uma crise financeira internacional não pode ser fruto senão dessa constelação de fatores, nos lembra o autor.Logo ficou claro como a quebra dos bancos norte-americanos e europeus significaria corte em créditos e investimentos no mundo todo, e que a recessão que se seguiria nos países centrais acabaria produzindo um efeito dominó para o resto do mundo, retraindo o comércio e encolhendo a produção, ensejando desemprego e reduções salariais.No mesmo caminho segue o artigo do organizador do livro, Sérgio Sister, que aponta por trás da crise a transição de uma macroeconomia da poupança para uma macroeconomia do endividamento. O texto de Jefferson José apresenta ainda uma proposta de atuação para os trabalhadores do país, enquanto a artigo de Sérgio Sister avança discutindo as conseqüências possíveis da crise sobre a economia brasileira.Superprodução e financeirizaçãoCoube a Paul Krugman, em uma quadra de artigos publicados originalmente no New York Times, após o setembro negro de 2008, analisar a crise desde dentro, a partir dos EUA. O economista norte-americano revela que a crise dava indícios de sua eclosão há pelo menos uma década, desde a última bolha das pontocom e do primeiro colapso de um grande fundo de hedge, entre 1997 e 1998. O autor nos lembra como nessas duas ocasiões a maioria dos economistas e analistas de mercado se apressou em comemorar a saída da beira da crise, esquecendo-se de indagar como a economia internacional havia chegado tão perto dela.Mas por que o establishment tardou em perceber a aproximação e a eclosão dessa crise? A resposta dada por Paul Krugman a essa questão leva em consideração dois fatores. Em primeiro lugar, ideólogos do neoliberalismo norte-americano, como Alan Greenspan, Robert Rubin e Lawrence Summers, sempre apostaram na desregulamentação em detrimento da fiscalização do mercado financeiro. Em segundo lugar, e como decorrência desse laissez-faire, o avanço de um sistema bancário “sombra”, “paralelo”, nucleado por bancos de investimento, cercado por fundos e seguradoras aparecia para esses policy makers menos como problema e mais como solução, de maneira que a oferta desabrida de novos serviços financeiros foi encarada como inovação e não como abuso, do mesmo modo a expansão irrestrita do crédito foi percebida como avanço e não como perigo, para Paul Krugman uma verdadeira bancocracia tomou de assalto o Estado e a economia norte-americanas com o consentimento e a cumplicidade entre tecnocratas e financistas. Os artigos do economista norte-americano oferecem uma visão conjuntural e nacional bastante lúcida para a crise financeira, mas, preocupado que está com a urgência e a necessidade de uma reforma financeira, o autor não ousa uma análise estrutural de maior fôlego, tarefa que fica a cargo dos intérpretes brasileiros da crise.O artigo de Paul Singer e a entrevista de Francisco de Oliveira podem ser lidos em conjunto. Enquanto o economista interpreta a crise financeira como mais um dos momentos cíclicos da história do capitalismo em que ocorre o esgotamento da demanda, o sociólogo complementa avisando que estamos diante de uma crise da globalização do capital, cuja intensidade está em repor o problema de realização do valor. Ou seja, para os dois autores, o descompasso entre a expansão da produtividade e a redução da capacidade de absorção de mercadorias engendrou uma situação em que, a despeito da ampliação da mais-valia global, o consumo das massas não acompanhou a massa de produtos colocados em circulação. Enquanto Paul Singer reconstrói, teoricamente, os laços entre a esfera produtiva e a esfera financeira, apontando complementaridades e contradições entre, de um lado, mercadorias reais, valores concretos, bens e serviços e, de outro lado, ativos virtuais, valores monetários, créditos e dívidas, Francisco de Oliveira demonstra, empiricamente, como a aliança entre o crescimento industrial de países como China e Índia e a expansão monetária dos EUA contribuiu para a alteração nos padrões de acumulação e consumo. Um dos sintomas dessa mudança se revela, justamente, na especialização financeira que conduziu ao financiamento imobiliário irrestrito e à especulação fundiária exacerbada no mercado norte-americano. Partindo de uma tese distinta das duas anteriores, as notas de Maria da Conceição Tavares e os textos de Luiz Gonzaga Belluzzo enfatizam os tropeços criados para a circulação do crédito e os empecilhos causados pelo obscurantismo das inovações financeiras, dando origem a uma espécie de financeirização da economia.Luiz Gonzaga Belluzzo ressalta como no capitalismo – uma economia monetária mais do que industrial – deve-se atentar menos para o princípio do aumento da produtividade e mais para a finalidade da acumulação de riqueza. Nesse sentido, a compreensão dessa crise situa-se antes na esfera financeira do que na produtiva. A separação entre os bancos comerciais, que recebem depósitos e realizam empréstimos, e que portanto são agentes econômicos que compram ativos para si e para terceiros, e os bancos de investimento, que se dedicam ao aconselhamento de empresas nas emissões e na gestão de títulos e ações, e que portanto são agentes econômicos que vendem ativos, criou uma espécie de esquizofrenia que está na origem dos supermercados financeiros e da securitização dos créditos que desaguaram na crise financeira atual. A preferência pela liquidez e a instabilidade financeira são características do capitalismo que se desvelam no cenário de hoje.De quebra o autor esboça um ensaio sobre as implicações subjetivas de uma visão de mundo que, baseada no individualismo racional e maximizador de utilidade acaba engendrando a concorrência e a predação que estão na origem de comportamentos arriscados e inseguros que conduzem à crises cíclicas e periódicas.Estado e políticasA despeito das divergências entre os intérpretes, todos concordam em um ponto, sintetizado por Carlos Eduardo Carvalho, o neoliberalismo pretendeu substituir a política pela economia e reduzir a economia às finanças, o que ele escondia, entretanto, era uma atuação em favor dos grupos mais influentes do capital e o que ele revela, agora, é uma comunhão entre Estado e mercado.Se, por um lado, é verdade que a crise reabilitou as possibilidades de intervenção estatal, por outro lado, é apressado deduzir que isso signifique o fim do neoliberalismo. Afinal, a principal forma de intervenção tem sido a injeção de liquidez que é, na realidade, uma emissão de dinheiro público a serviço das altas finanças e não da população em geral. No que se refere ao Brasil, Cézar Manoel de Medeiros ressalta a importância do setor público no combate à crise, pois, além das reservas internacionais e da conquista do investment grade, temos três bancos estatais (BB, CEF e BNDES) e duas grandes empresas públicas (Petrobrás e Eletrobrás) que podem, e devem, atuar na expansão do crédito e do investimento. O autor aproveita ainda para ressaltar a importância do projeto do pré-sal como estratégia nacional de defesa e apresentar a proposta de criação de uma Empresa Nacional de Ativos (Probr ou Probrasil), concentrando as ações ordinárias e preferenciais de propriedade da União.Vale ainda ressaltar que, enquanto o espírito anti-FHC fica a cargo de Ricardo Berzoini (presidente do PT), o escudo pró-Lula compete a Guido Mantega (Ministro da Fazenda).Enquanto o primeiro relembra as diretrizes macroeconômicas que filiaram o Brasil ao neoliberalismo, patrocinando a vulnerabilidade comercial, a fragilidade financeira e a desestruturação do Estado, o segundo destaca as medidas que, supostamente, tornaram o Brasil mais forte para suportar a crise, com destaque para o crescimento do PIB e os investimento do PAC, além das medidas de curto-prazo para contornar a falta de recursos externos e para sustentar a atividade econômica interna. Se, porque excessivamente político-partidários, os textos não fornecem uma visão analítica mais acurada da crise, ao menos servem como documentos que sistematizam as idéias e decisões do governo brasileiro para combatê-la. InconclusõesTalvez seja cedo demais para que se possa avaliar com precisão o sentido e o significado dessa crise. Tal fato, entretanto, não deve desencorajar as tentativas de compreensão, até mesmo porque, como se sabe, os momentos de crise abrem vagas de incerteza e indeterminação capazes de aproximar a explicação da intervenção. Por trás das tentativas de interpretação reunidas no "Abc da crise", o que se revela são questões sobre a relação entre as esferas produtiva e financeira, entre Estado e mercado, entre a globalização e o neoliberalismo. Abrindo possibilidades de análise sem pressa de concluí-las, ao final da leitura o que se experimenta são muitas dúvidas e uma única certeza, como bem expressa Márcio Pochmann: a de que vivemos um momento de transição. Resta pensar em que nova promessa de modernização iremos nos apegar, e se ela será capaz de realizar o ideal civilizatório que até aqui não conseguimos levar a bom termo. (*) Bacharel em Ciências Sociais (FFLCH/USP); mestrando em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: História Econômica (IE/UNICAMP). E-mail: willnozaki@gmail.com.
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